130 coisas sobre as quais escrever #50 [Texto de Victória Rufini Barros e Victor Arthur Salles Teixeira]
50. Escolha um pequeno objeto a ser dado um dia para o(a) seu/sua bisneto(a). Escreva uma carta para a criança, explicando por que escolheu aquele objeto.
Texto de Victória Rufini Barros, sala 2.
Meu querido bisneto, estou deixando este porta-retratos para você comparar e ver a diferença da minha época para a que você está vivendo agora. Provavelmente já estarei morta nesse momento e esse objeto servirá para você se lembrar da sua bisavó também. Com toda essa tecnologia, acredito que não exista mais porta-retratos, mas esse objeto era utilizado para colocar fotos e deixar de enfeite em cima dos móveis. Sempre gostei muito e agora deixo para você um desses com uma foto de nossa família.
Com amor, Victória, sua bisavó.
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Texto de Victor Arthur Salles Teixeira, sala 3.
A carta do morto miserável
"Encontro-me à beira da morte, sem forças, sem ânimo; apenas eu, minha silenciosa — ainda assim, ensurdecedora — indiferença e uma caneta, escrevendo o quanto eu lamento minha infame personalidade e atos para com as pessoas que me amaram. A fumaça do cigarro já preenchera meus pulmões com escuridão, as olheiras já encheram todo o vazio de meus olhos, porém, hoje, o que me resta é o sentimento de culpa e todo o arrependimento que me assombram todas às noites e, por conseguinte, tiram o meu sono. Demorei a perceber tais coisas, acho que este resto de vida que sobrou me fez refletir, a morte é impiedosa, mostra todos os seus podres e te afoga em um infindável desespero. Agora, ao me olhar no espelho, choro pus e vomito sangue. Nojo define o que eu sempre fui e, só agora, tento reverter esta situação; mas de que adianta mil perdões ditas por alguém prestes a se tornar apenas um cadáver putrefato a sete palmos do chão?
Enfim, garoto, pertencendo à minha linhagem, é de se esperar que tenha herdado os mesmos erros meus; entretanto, não siga meu caminho doloroso. Tome para si uma pequena caixa que se encontra na minha biblioteca. Há algo especial lá".
Esta carta não foi entregue a mim no dia da morte de meu bisavô, e sim, na data de sete anos de falecimento do mesmo. A tal coisa especial que continha dentro da caixa era um papel levemente dobrado com tons amarelados de desgaste, nesse papel estava escrito uma passagem hindu, o Bhagavad-Gita:
"Vishnu está a tentar persuadir Arjuna de que deve fazer o seu dever, e para o impressionar assume a sua forma de quatro braços e diz, 'Eu tornei-me a Morte, o destruidor de mundos'".
Nunca entendi o porquê desta passagem, até assistir a uma entrevista histórica com Oppenheimer (diretor do Projeto Manhattan para o desenvolvimento da bomba atômica). Nela, o físico citava este trecho com uma nítida expressão de arrependimento e culpa dos efeitos que sua criação tinha causado. A mesma coisa que meu bisavô sentia. Ironicamente, percebeu que se tornara a morte por consciência quando estava de encontro com ela.
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