130 coisas sobre as quais escrever #53 [Texto de Ana Maria Machado Kos]


53. Qual é o pior pesadelo que você consegue se lembrar?

O novo vizinho

Kay tinha 12 anos e morava com a mãe, que era dona de um conjunto residencial, a única herança que seu falecido marido deixou para sua doce esposa e jovem filha. 
Os apartamentos ficavam em uma região calma e bem localizada, além de ter um aluguel baixo, porém, ainda havia poucas pessoas vivendo no local. Em certo dia frio, quando ia para a escola de manhã, Kay nota que sua mãe está conversando com um homem. Ela então se aproxima e se despede de sua mãe, que lhe dá um beijo na testa e deseja uma boa aula. Depois de se despedir de sua mãe, ela começa a se afastar enquanto olha discretamente para o homem com quem sua mãe conversava, a fim de ver seu rosto que estava coberto por um cachecol. De repente, o homem olha na direção de Kay, que rapidamente se vira e segue o caminho da escola. Ela escuta passos e ouve a voz de sua mãe ao longe, a garota então resolve parar e olhar para trás, para ver onde sua mãe levaria o homem. Entretanto, antes que ela pudesse olhar, sentiu um calafrio e de repente, um medo terrível a invade. Ela não sabia ao certo o que estava sentindo e o porquê, apenas sabia que se olhasse para trás, veria um par de olhos assustadores admirando-a à distância. Sem saber o que fazer, Kay apenas continua caminhando para a escola, mal sabia ela, que aquela atitude só fez o par de olhos medonhos ficar ainda mais interessado em observá-la.
Algum tempo depois, um jovem rapaz se mudou para os apartamentos, ele era alto, tinha a pele pálida, olhos e cabelos escuros e era muito amigável. Todos gostavam dele, menos Kay. Por algum motivo, ela o achava extremamente estranho e quando estava perto dele, só conseguia sentir medo, principalmente quando ele a observava de perto e ficava sorrindo. 
Ao contrário de Kay, sua mãe havia se tornado uma boa amiga do jovem, que na maioria das vezes estava por perto, ajudando com algo ou apenas conversando normalmente. Kay não se importaria se fosse apenas isso, porém sempre que sua mãe se distraía, Kay podia sentir que algo a observava, e ela sabia que esse “algo” queria alguma coisa e que faria o melhor possível para consegui-lo. 
Certa noite, Kay escuta alguns barulhos estranhos perto da sua janela que vinham do quintal. Ela se aproximou lentamente da janela e puxou um pouco a cortina para olhar o lado de fora. Ela então se surpreendeu por ver uma silhueta parecida com a de um cachorro, porém, ficou mais espantada ainda quando a silhueta ficou de pé e revelou uma figura humanoide. A garota não entendeu direito o que estava acontecendo, apenas podia achar que aquilo era um pesadelo e então voltou a dormir.
Certo dia, quando voltava do colégio, Kay resolveu passar por dentro de um parque. Na maioria das vezes, o local era bastante movimentado, mas graças às chuvas e ao frio que fazia, o lugar estava completamente vazio. Ela sentiu um pouco de receio em andar ali e não podia deixar de ter cautela. Foi quando Kay viu algo entre as árvores que a chocou. No meio do bosque, ela podia ver o corpo de uma mulher coberto de sangue sendo segurado por uma grande sombra que parecia um cachorro. Ela entrou em pânico e começou a correr para se afastar dali.
De repente, ela tromba em alguém e cai no chão. Ao olhar para cima, vê o rapaz que havia se mudado há pouco tempo e ele parecia surpreso ao vê-la correndo com cara de assustada. Ele a ajuda a se levantar e pergunta se algo havia acontecido, ela então começa a contar o que viu no meio das árvores. Até que ela pausa por um momento e golpeia a mão do rapaz que a estava acalmando. 
— Você... foi você, não foi? O sangue na sua jaqueta... — diz Kay com a voz trêmula.
O rapaz ri e, se aproximando da garota que o olhava com raiva, diz:
— Que menina inteligente. Você percebe as coisas bem rápido, não é? É uma pena, talvez se você estivesse um pouco mais traumatizada, eu poderia sair daqui como o herói que te salvou. Eu poderia me aproximar mais de você e nós nos tornaríamos amigos, não acha isso incrível, Kay?
— Eu nunca iria me tornar sua amiga! — Disse a garota enquanto recuava para trás a medida que o jovem se aproximava.
— É mesmo, você não iria, acho que me empolguei um pouco nessa parte... — Disse o rapaz, sorrindo e olhando fixamente para Kay. Ele agarra o braço da garota e continua. — Ah, Kay! Você realmente é muito má comigo, eu só quero amigos com quem eu possa conversar, mas sempre que eu tento me aproximar, você simplesmente me ignora ou fica me olhando friamente. Eu até me tornei um ótimo amigo da sua mãe, pensando que ganharia sua confiança, mas isso não funcionou, pelo contrário, você só se fechou mais. Sabe, eu até ia escondido durante a noite na janela do seu quarto, na esperança de você esquecê-la aberta, mas ela sempre estava trancada. Isso é triste, Kay, por que não podemos ser amigos? 
Kay estava com muito medo e não conseguia dizer nada, apenas conseguia fitá-lo com raiva enquanto tentava escapar inutilmente.
O homem parece se divertir com as reações da garota que tenta se soltar, ele então segura a outra mão de Kay e a puxa para mais perto.
— Não me olhe desse jeito, Kay. Até parece que eu sou mau! — Ele ri. — Pobre Kay, eu realmente queria ser seu amigo, mas agora que você me viu fazendo um lanchinho, não posso deixar você ir. Por isso, eu vou fazer você ficar viva o máximo que puder enquanto te devoro. Que tal nós começarmos pelos seus dedos? Qual deles você acha melhor para começar? O indicador? Talvez o anelar?
Nesse momento, Kay começa a se debater, até que acorda e se vê em seu quarto. Ela então percebe que tudo não passou de um pesadelo e que nada daquilo tinha acontecido, porém sempre que passa pelo parque, ela sente como se algo a observasse.

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