130 coisas sobre as quais escrever #92 [Texto de Kauane Cristine de Oliveira Teles]


92. Você acabou de ser contratado(a) e virou um(a) conselheiro(a) de suicídio por telefone no sentido reverso (as pessoas ligam quando querem cometer algo perigoso contra elas mesmas). Descreva como você se sente durante a sua primeira chamada.

No dia 31 de fevereiro de 2052, fui contratada para ser conselheira suicida por telefone, porém recebi minha primeira ligação mais rápido do que eu imaginava, às 21:30. Se eu dissesse que fiquei tranquila, estaria mentindo, porque nunca me imaginei ajudando uma pessoa a não cometer suicídio.
E assim foi...
O telefone tocou e eu atendi.
—  Alô? — Disse eu.
—  Olá, eu sou Rebeca e não aguento mais a minha vida, quero me matar, fazem 27 dias que eu não saio de casa e faço apenas uma refeição por dia, não vejo mais sentido na minha vida e só te liguei para ter um incentivo a mais.
—  Olá, Rebeca, boa noite, você mora sozinha? — Perguntei.
— Não, moro com minha mãe, meu pai e meu filho, Enzo.
— Ah, entendi, mas porque acha que vou te dar motivos para se matar?
— Porque você é conselheira de suicídio!
— Agora só porque sou uma conselheira, eu necessariamente devo fazer você se matar? Não! Eu aconselho o que acho necessário.
— Você já aconselhou alguém a se matar? Como? Era se cortando? O que você me aconselha? Pular na frente de um caminhão?
— Se você quer se ferrar se matando, beleza, mas não precisa ferrar a vida de outra pessoa, como a do caminhoneiro, por exemplo. Quer pular na frente do caminhão do homem para depois ele responder por um processo judicial por ter matado uma moça? Não! Para te indicar a forma correta do seu suicídio, eu preciso saber o motivo de sua vontade.
— O bullying na infância foi onde tudo começou, me sinto sozinha constantemente, estou com problemas financeiros, sem poder sustentar meu filho como ele merece, tenho problemas com a minha família e, consequentemente, tudo isso me causou essa depressão. Não aguento mais!
— Entendi, Rebeca. Realmente são motivos palpáveis, mas faremos assim: vamos nos encontrar amanhã de manhã.
— Onde?
— Amanhã, às 7:00 da manhã, você me liga e eu te digo o local correto para o seu suicídio.
— E se eu quiser me matar agora com uma faca, o que você vai fazer?
— Eu não farei nada, porém esteja ciente de que seu filho mora aí, então ele vai viver o resto dos dias dele vendo a mãe morta em casa. Se ainda tem um pouco de consideração por ele, ao menos dê adeus ao seu filho, brinque com ele essa noite, diga que o ama e peça desculpas quando ele cair no sono, pois talvez seja a sua última chance.
— Ok, obrigada. Até amanhã, dona ...?
— Não é necessário revelar minha identidade a você! Boa noite, Rebeca.
— Certo, boa noite!
E assim foi minha primeira ligação suicida, às 01:55 da manhã desliguei meu primeiro telefonema.
Antes de dormir, eu precisava pensar em motivos reais para dar a ela no dia seguinte, para evitar que ela cometesse suicídio. Eu não sabia qual seria o meu sentimento após sua morte, se seria de culpa ou não, mas sabia que não queria sentir nada do tipo, para isso precisava bolar um plano, uma estratégia para ela não se matar.
No dia seguinte, meu despertador tocou às 6:30 da manhã. Levantei, tomei um banho e fui tomar meu café me sentindo ansiosa, porque eu tinha um plano para aquela moça não se matar realmente, porém não tinha certeza se daria tão certo quanto o imaginado.
Pontualmente, às 7:00 da manhã, meu telefone toca e meu coração acelera de uma maneira inexplicável, era ela:
— Bom dia, chegou o grande dia, não é mesmo, Rebeca?
— Bom dia, chegou sim, estou disposta a fazer isso!
Nessa altura eu já não sabia mais se meu plano daria certo.
— Coloque uma calça jeans branca, um casaco preto e amarre seu cabelo.
— Ué, por que isso?
— Porque eu julgo necessário e a conselheira aqui sou eu! Eu sei o que é melhor para um dia comprometedor como este.
— Ok, me dê 10 minutos.
— Esteja sentada no terceiro banco da Praça Franklin Bagatelle, às 7:45.
E assim foi, meu plano estava começando a dar certo, se ela fosse mesmo.
Às 7:43 ela chegou e se sentou no lugar combinado, de longe eu a observava e percebi que ela estava ansiosa, aflita, agoniada... 7:45 liguei para ela, sempre a observando de um prédio marrom, alto, com muitas janelas atrás dela, resolvi ligar para ela...
— Oi, conselheira, onde você está?
— Estou te esperando, mas você tem de vir atrás de mim, te darei as coordenadas e faça exatamente o que eu disser... ah, e não desligue o telefone em hipótese alguma.
— Certo. — Disse ela.
— Vamos começar: Procure uma rosa vermelha nessa praça e segure-a com você até eu mandar jogar fora. — Disse eu.
— Achei um lírio vermelho, vale?
— Eu quero rosas vermelhas. — Exigi.
— Ah, acho que eu vi uma lá do outro lado, espere, vou lá buscar. Certo, peguei três porque estão muito lindas.
— Eu disse que quero uma rosa vermelha, não três! Aprenda a ser mais obediente, Rebeca!
Ela suspira de raiva no telefone e resmunga: — Joguei duas e estou com uma, satisfeita?
— Ok! Dê três voltas na fonte de água ao leste.
— Como vou saber qual é a fonte ao meu leste, conselheira?
— Use a sombra de um graveto, sabendo que o sol nasce ao leste e se põe no oeste, pegue ele, finque na terra e veja para onde sua sombra aponta. Coloque uma pedra em cima da sombra e você saberá, por meio da pedra e do graveto, qual é o seu leste e oeste.
— Nossa, como você sabe disso tudo?
— Não posso revelar minhas técnicas. 
— Pronto, Rebeca? Não tenho todo o tempo do mundo para você.
— Pronto, dei três voltas na fonte.
— Agora compre um jornal na Kitinete do Tio Doca e leia para mim a reportagem que você julgar mais interessante.
— Uma vaca búlgara foi parar por descuido em território sérvio, fora da União Europeia, e deve ser sacrificada, uma vez que as regras do bloco impedem que retorne ao seu país de origem. Penka, que está no sexto mês de gestação, escapou de seu rebanho em 12 de maio, quando passava perto da cidade de Kopilovtsi, não muito longe da fronteira da Bulgária com a Sérvia. Sua jornada pessoal a levou para o país vizinho, onde entrou sem ser interceptada pelos guardas da fronteira. Apanhada por um agricultor sérvio, que a identificou, foi finalmente entregue ao seu proprietário, Ivan Haralampiev. Mas aí começou o calvário da fugitiva Penka, ainda sem solução e provavelmente sem final feliz, lamentou seu dono nesta quinta-feira às câmeras da televisão búlgara BNT: apesar de um certificado veterinário emitido na Sérvia que atesta a perfeita saúde de sua vaca, as autoridades búlgaras exigem que ela seja imediatamente sacrificada. — Leu Rebeca.
— Rebeca, por que leu uma notícia da vaca morta?
— Porque me identifiquei!
Nessa hora eu queria rir muito, mas muito mesmo, porém não podia, então segurei o riso...
— Rebeca, venha andando até o prédio marrom à sua frente e entre.
— Mas por que tudo isso, conselheira? Não estou entendendo...
— Você faz perguntas demais, Rebeca! 
— Ok, entrei, o que faço agora?
— Suba dois lances de escada à sua direita.
— Ai, espera, estou cansada já, vou sentar um pouco!
— Morrer não é tão fácil como você imaginava, não é mesmo? — Perguntei.
— Pois é, não fazia ideia de que morrer cansava tanto.
— Vamos, Rebeca! Levante e ande, menina!

Rebeca leva quatro minutos para subir os lances de escada, sempre com a respiração ofegante ao telefone.
— Cheguei, tem um monte de caixas aqui, o que eu faço?
— Se deseja mesmo morrer, abra cada uma delas até achar um revolver com apenas uma bala no pente e me avise. Te instruirei de como usá-la.
Sete minutos depois ela pega o celular novamente e me diz:
— Eu abri vinte e duas caixas e não achei nada.
— Então suba mais um lance de escada e você chegará ao topo do prédio, onde tudo mudará para sempre.
Ela sobe apreensiva, desliga o telefone, me encontra lá em cima e se surpreende. Então me pergunta:
— Por que de tudo isso, conselheira?
— Você viu todos aqueles andarilhos na rua no caminho para cá? Viu aqueles mendigos dormindo em um papelão? Viu também aqueles pedindo dinheiro ou comida? Viu a menina chamando a mulher que estava sentada ao seu lado no banco de mamãe? Viu a cor da rosa que você está segurando? Bonita, não acha? Uma cor viva, forte, e é assim que nós mulheres somos: fortes, vivas e, principalmente, bonitas. Todos olham para a rosa com olhares apaixonados, com olhares deslumbrantes, e assim somos. Por mais que na maioria das vezes não seja fácil! Somos aquelas pessoas mais fortes, damos apoio para todos que precisam de nós, por exemplo o Enzo, para quem ele vai perguntar o que é o amor? Em qual colo ele vai deitar depois de chorar horas por aquela primeira paixão da adolescência?
— Eu não tinha parado para pensar em como a vida é bonita e que fui eu quem escolheu ver apenas o lado ruim dela, deixei de ver que tenho uma mãe ao meu lado, um pai para me apoiar, um filho para me amar e que minhas dificuldades não são nada comparadas às de muitas pessoas...
— Te trouxe em cima desse prédio para você ver que tudo está lá baixo, que a vida pode ser boa ou ruim, dependendo de como a gente a vê. Se você se coloca lá em baixo, tudo sempre estará acima de você, tanto coisas ruins, quanto boas. Então não se coloque abaixo delas, se coloque acima, seja superior aos seus problemas, porque tudo na vida são fases. E fases passam.
Neste momento, ela se ajoelha porque não aguenta o peso do próprio corpo de tanto chorar. Eu a abracei e, a partir desse momento, não precisei dizer mais nada.
Levantamos, descemos de elevador, levei-a para minha casa e assim que chegamos, ela dormiu.
Depois que acordou, foi para casa pensativa. Chegando lá, seu filho estava a esperando na porta com um sorriso lindo no rosto e uma rosa vermelha na mão.

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