130 coisas sobre as quais escrever #97 [Texto de Guilherme Hiroshi]


97. Vá ao cemitério, ou na seção de obituários, e escolha alguém para escrever sobre, crie uma cena na vida dessa pessoa.

Theodora Marcolino era aparentemente uma simples mulher. Mas como toda mulher, tinha sonhos, tinha desapontamentos e superação. Entretanto, se faz necessário retrocedermos sua história: a pequena Marcolino, coitadinha, uma menininha pequena e indefesa, gostava de acompanhar seus pais, que eram exímios cozinheiros e donos de um restaurante, nas mais diversas aventuras. Amava viajar para outros países, experimentar novas comidas e tentar falar com os povos nativos com um idioma que fazia sentido em sua cabeça, embora fosse inventado por ela mesma. 
Aos 15 anos, Thetheo, como era chamada por seus amigos, ainda tinha em seu coração a paixão por comida, comia até não aguentar. Contudo, não gostava tanto de cozinhar quanto de comer e mal sabia fazer cookies, sua sobremesa favorita. Se recusava a aprender a cozinhar, gostava de comer o que sua mãe fazia, e ignorava quando as outras pessoas diziam que ela poderia ter o dom na cozinha, como sua mãe e avó tinham. 
Mais tarde, com 19 anos, se viu em um momento bastante conturbado de sua vida. Sua mãe, a figura que ela mais admirava, e seu pai saíram para comprar o que faltava para o jantar, mas não voltaram para aquela que era para ser uma bela ceia de Natal, na qual se encontravam amigos, familiares e até clientes do tradicional restaurante da família. Desolada, foi acalmada por seu avô, tal homem que gostava de sua neta, achava-a uma promissora cozinheira, mesmo sem ter muito apego às panelas. 
Quatro meses depois, seu avô, Sr. Batista, preocupado com a saúde mental de sua neta, não queria ver Theodora, que agora morava com ele, de cabeça baixa e desanimada. Acabou chamando-a — “Theoooo, venha cá, quero te ensinar uma receita”, Theodora foi, sem muito ânimo, dar atenção ao seu avô. Os dois começam a fazer a receita que foi apelidada pelo Seu Batista de “Lycka”, que significava “felicidade” em sueco. No começo, a desanimada Theo se viu com pouca vontade de fazer o bolo que sua mãe fazia em seus aniversários. Porém, com o andar da receita, com cada ovo sendo quebrado e misturado, e com cada piada de seu avô, ela se lembrava de sua mãe. Lágrimas e risos se misturavam, fazendo as lembranças tomarem conta da cozinha. 

Ao fim da receita, ambos estavam mais sujos que as louças utilizadas.  Sentados no chão, contando histórias antigas e segredos, Batista decide falar sobre a habilidade que sua neta tinha, da paixão que poderia surgir ao cozinhar, e de como sua mãe ficaria feliz com a continuidade que ela daria ao restaurante da família, então ela acaba dando uma chance ao que seu avô disse.
Nos anos seguintes, Theodora Marcolino se dedicou ao aprendizado e ao aperfeiçoamento das técnicas de seu avô. Acabou se formando em gastronomia e, sempre com lembranças de sua mãe e pai, nunca desistiu. Levantava da cama e só pensava em um dia se encontrar no patamar de seus pais, afinal, eram os melhores cozinheiros da cidade, as figuras que ela usava de inspiração. 

Após 7 anos, desde a grande perda, a já crescida Theodora assumiu o restaurante e deu continuidade à tradição da família em servir a melhor comida daquela região, proporcionando a melhor experiência gastronômica para os visitantes daquela pequena cidade. Seu avô viveu para ver sua pequena neta crescer profissionalmente e emocionalmente. Ela estava fazendo o que gostava e o que a aproximava, de certa forma, de seus pais.

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